A causa em defesa da Igualdade Racial, a luta pelos direitos da negritude, perde Nivalda Costa (morta sábado, 9 de julho) e Luiza Bairros (morta na manhã desta terça-feira, 12). Ambas personificaram a mulher negra forte, inteligente e comprometida com a luta por um mundo melhor, sem intolerância e movido pela ética, honestidade e princípios civilizatórios.

Para os movimentos sociais, sobretudo os de mulheres e negros, Nivalda Costa e Luiza Bairros deixam reflexões fundamentais para compreensão e ação política pela igualdade de gênero e raça.

A APLB-Sindicato solidariza-se à dor dos seus familiares e homenageia as duas guerreiras.

Nivalda Costa

Poetisa, dramaturga, atriz, diretora e contista, filha de Nair Silva Costa e Manoel Edvaldo Costa, nasceu em 19 de maio de 1952, em Salvador-BA. Ainda criança teve contato com os mundos literário, teatral e cinematográfico. Participou de diversos grupos teatrais estudantis durante o ensino médio.

Cursou Psicologia, pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, mas abandonou após um ano. Posteriormente, fez o curso superior de Direção, da Escola de Teatro da Bahia, pela UFBA, formando-se diretora teatral, em 1978. Possui também graduação em Ciências Sociais (1984) e especialização em Antropologia (1986), ambos pela UFBA, bem como especialização em Relações Públicas (2001), pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB.

Desenvolve(u) diferentes funções e papéis sociais, na Bahia, como artista de teatro, sempre envolvida em todo o processo cênico. Participou como diretora de peças teatrais, de filmes de curta-metragem como “A incrível história de seu Mané Quem Qué e o Demo” e de programas televisivos, “Fêmea” (1985-1987) e “Afro-memória” (1988-1992) – neste caso, responsável também pelo roteiro –, ambos exibidos pela TV Educativa. Atuou ainda como assistente de produção do longa-metragem “A idade da terra”.

Escreve(u) textos teatrais, visando ao público adulto e infantil, contos e poesias. Desenvolveu dois grandes projetos artísticos a partir de estudos e pesquisas: a “Série de Estudos Cênicos sobre Poder e Espaço” e a “Série de Estudos sobre Etnoteatro Negro Brasileiro”.

Seis roteiros fazem parte da Série de Estudos Cênicos sobre as relações entre Poder e Espaço, desenvolvida no período da ditadura militar, na Bahia, a saber: “Aprender a nada-r” [1975]; “Ciropédia ou A Iniciação do príncipe (O Pequeno príncipe)” [1976]; “Vegetal vigiado” [1977]; “Anatomia das feras” [1978]; “Glub! Estória de um espanto” [1979]; “Casa de cães amestrados” [1980].

Têm-se também cerca de dez roteiros teatrais, como os intitulados “Passagem para o encanto” e “Suíte: o quilombola”, cuja aplicabilidade se dá em cursos e oficinas ministradas em grupos e comunidades de baixa renda, desde os anos 1990. Esses textos pertencem à Série de Estudos sobre Etnoteatro Negro Brasileiro.

Nivalda Costa escreveu ainda os seguintes títulos: “Pequeno príncipe: aventuras” [1977]; “Girassóis” [1977]; “O operário da azul” [1978]; “Love story” [1978]; “O enigma para Alexandrista” (2007); “Pausa dramática para o drama” (2009), as adaptações livres de “Hamlet, príncipe da Dinamarca” [1976], de William Shakespeare; “Veredas: cenas de um grande sertão” [1977], de Guimarães Rosa; entre outros.

Em relação aos contos, publicou, juntamente com outros nove contistas baianos – Carmem Ribeiro, Clarindo Silva, Everaldo Duarte, Jaime Sodré, Jonatas Conceição, José Carlos Limeira, Rita Gonçalves, Valdina Pinto e Xyko –, o livro “Para rasgar um silêncio” (1990), editado pelo Centro de Estudos Afro-Orientais – CEAO/UFBA. Os contos inseridos na coletânea foram selecionados por Nivalda Costa, que foi responsável também por introdução e dois contos intitulados: “Diabolina” e “O vôo”. A artista possui ainda outros contos inéditos.

Quanto à poesia, Nivalda Costa publicou o livro “Constelações” e participou da composição da obra “Capoeirando” (1982), organizada por Carlos Eduardo R. de Jesus, com os poemas intitulados “Ògìyán”, “Tumulto” e “Exit”. Publicou ainda o livro “Da cor da noite: poemas dramáticos” (1983), em que se apresentam as obras “flèkùn Mérin” (Casa das Quatro Portas), ensaio dramático em seis atos, de Nivalda Costa, e “Olóba Làse”, um trabalho integrado entre música, dança e teatro, de Jaime Sodré, todos editados pelo CEAO/UFBA.

Nivalda Costa, membro da Associação Profissional dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado da Bahia (APATEDEBA), criou e fundou, em janeiro de 1975, o Grupo de Experiências Artísticas (Grupo Testa) formado, inicialmente, pelos estudantes Artur Moreira, Virgínia Miranda, Vera Violeta, Ângela Machado, Júlio César Martins, José Hamilton, Solange Galeão, Bira Bonfim, Joselita Costa, Mara Mércia, Carlos Rodrigues, Paulo Pan, José Maria Veras, Samuel Cardoso, D. Marcelo Pancho d’Oliveira e o ator Armindo Jorge Bião. O Grupo Testa, de teatro amador, foi responsável, em termos financeiro e artístico, por diferentes produções sempre de autoria dos componentes, naquele período.

Militante do Movimento Negro Unificado Contra o Racismo (MNU), Nivalda Costa participou do evento cultural intitulado “Negro – Movimenta” realizado nos dias 10 a 13 de agosto de 1978, e juntamente com os membros do Grupo Testa apresentou a peça “Anatomia das feras”. Esse evento foi organizado concomitantemente ao “I Festival de Arte e Cultura Negra”.

Em 1979, em sua segunda montagem baseada na obra de Saint Exupéry, intitulada “Pequeno Príncipe: aventuras”, responsável por texto e direção, apresentou um rei negro e três crianças, dentre essas, a personagem central, o pequeno príncipe. Em 1980, Nivalda Costa e Luiz César Alves Marfuz dirigiram a montagem “Paixão de Cristo”, no Pelourinho, encomendada pela prefeitura. A personagem Nossa Senhora era negra e o Cristo, mulato, representava todos os oprimidos e morria de três formas: flechado, chicoteado e fuzilado, segundo relatos.

Envolvida ainda com questões relacionadas à cultura e à arte africana, Nivalda Costa é membro do Conselho Consultivo e coordenadora do Programa “Diálogos Afro-Brasileiros” da Sociedade Amigos da Cultura Afro-Brasileira – AMAFRO, fundada em 15 de março de 2002. Atualmente, Nivalda Costa ainda trabalha com o universo teatral, empreendendo diferentes projetos.

Por Socorro Araújo: “Na TVE, onde fez o pioneiro Afro-Memória nos anos 80, era a Companheira Nivalda, porque tratava todos os colegas com esse “companheiro”. Outro dia encontrei com ela num mercado e fiquei surpresa como o tempo parecia não passar pra ela. A mesma elegância, o rosto sem nenhuma ruga, o jeito manso e pausado de falar, o porte de rainha. Agora que encerra sua trajetória neste planeta, muitos vão falar de suas peças de teatro, seus escritos, o trabalho com a cultura e a arte africana. Mas ela deve ser lembrada, sobretudo, pela vida dedicada à luta contra o racismo. O enterro da companheira foi realizado às 16h de domingo à tarde, no Campo Santo, em Salvador”.

Luiza Bairros

Da Redação do Portal Geledés

É com grande pesar que informamos que Luiza Helena Bairros faleceu esta manhã de terça-feira, 12 de julho, em Porto Alegre vitima de câncer no pulmão contra o qual lutava há meses.

Natural de Porto Alegre, era graduada em Administração Pública e de Empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul além de possuir títulos de Mestre em Ciências Sociais (UFBA) e de Doutora em Sociologia (Universidade de Michigan – USA). Morava em Salvador desde 1979, onde atuou em diversos movimentos sociais, com destaque para o Movimento Negro Unificado – MNU.  Trabalhou em programas das Nações Unidas – ONU contra o racismo em 2001 e em 2005. Foi titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Social da Bahia e Ministra-chefe da Secretaria de Políticas Públicas da Igualdade Racial do Brasil, de 2011 a 2014. Trabalhava e militava politicamente nas áreas de raça e gênero.

Para os movimentos sociais sobretudo os de mulheres e negros Luiza Bairros deixa reflexões fundamentais para compreensão e ação política pela igualdade de gênero e raça.

Para a administração publica Luiza Bairros deixa ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) uma ferramenta que segundo ela inaugura a possibilidade de um novo ciclo das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil visando o fortalecimento e a institucionalização de órgãos, conselhos, ouvidorias permanentes e fóruns voltados para a temática nos estados e municípios.

Luiza Bairros considerava que o Sinapir exige um esforço especial de gestores e gestoras no sentido da institucionalização dos órgãos de Promoção da Igualdade Racial (PIR). Segundo ela: “Não existe qualquer possibilidade de uma política pública ser bem-sucedida se o trabalho não for desenvolvido com os entes federados, porque é dessa maneira que se consegue que a política chegue às pessoas. Os resultados desse esforço vão depender também do empenho de governadores e prefeitos na compreensão da política de PIR.”

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